quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

As Pequenas “regalias” de Polícia

Ser policial, na maior parte do tempo, não é nem bom nem fácil. Mesmo que você ache que tenha vocação, já relatei que a profissão demanda muito empenho, dedicação exclusiva, abdicação a muitas coisas e pode lhe deixar a beira da loucura. Mesmo assim, sou obrigado a reconhecer que, numa boa parte do tempo, existem momentos com histórias e situações divertidas, únicas, como tentei ilustrar ao longo dos meus textos.
Além disso, tem aquela questão que boa parte da sociedade considera como uma “regalia”.
O fato dessa classe ter o franco acesso a locais sob fiscalização policial e ao mesmo deve ser dado todo apoio e auxílio necessários ao desempenho de suas funções, incluindo nisso a autorização do porte de armas. Entenda como: ele pode freqüentar baladas, shows, raves e cinemas, sem pagar absolutamente NADA.
Muitos amigos brincam, pedindo a minha carteira emprestada, já que com ela posso, em tese, participar de qualquer desses eventos. Pra mim, é uma questão muito mais de status do que de benefício próprio. Não vou negar que já usei desse artefato para desfrutar de algum momento de laser gratuito.
Contudo, conheço policiais que usam e abusam (muito) desse poder. Já testemunhei colegas chamarem apoio policial de viaturas por serem impedidos de ir num show (o qual eu paguei ingresso como qualquer pessoa normal), querendo ainda colocar pra dentro a esposa e os filhos, sem o menor intuito de realizar qualquer tipo de fiscalização ou serviço senão o da diversão em família. Outro caso foi de um amigo que contou ter ido ao cinema de graça e ainda usado o ticket para abonar o estacionamento do shopping, enquanto tantos outros pagam normalmente por esses dois serviços.
A verdade é que nenhum policial jamais irá admitir que fez uso da famosa “carteirada” para desfrutar dessas regalias. Entretanto, posso afirmar categoricamente que nunca vi ninguém contar que entrou nesses locais em serviço ou que queria (e conseguiu) prender algum bandido/traficante, ainda que seja essa a prerrogativa da lei.
Entendo e concordo que nossos salários não são justos e na maioria dos casos não sobra dinheiro nem mesmo pra diversão. Mas também considero humilhante e vexatório o fato de usar disso para benefício próprio.
Todavia, a minha intenção com esse texto não é de julgar ninguém nem suas atitudes e sim, de agradecer os estabelecimentos públicos como boates, cinemas e demais que franqueiam gratuitamente nosso acesso, mesmo sabendo que não estamos a serviço e que vamos beber, extravasar ou simplesmente nos divertir quando mostramos a carteira. A vocês, obrigado pela cortesia e compreensão.
Sou grato por fazerem vista grossa e reconhecerem que defendemos a sociedade e que nossa profissão não é fácil... E que também somos humanos, temos momentos de descontração.
Por fim, só espero que fique bem claro. Não posso mudar a lei e oferecer esse tipo de benefício também para médicos, professores, motoristas e tantas outras classes que são dignamente trabalhadoras.
Mesmo reconhecendo o impacto desse benefício, ainda sim, acredito que policial não é melhor do que ninguém.
Tem tanta coisa muito mais grave acontecendo em Brasília e por debaixo dos panos, nas favelas e na vida pra gente se preocupar, não é mesmo?

Aquele episódio do seqüestro relâmpago

Trabalhar numa delegacia de polícia significa lidar com todo tipo de crime.
Ao menos que esteja lotado numa especializada, deve estar sempre preparado para qualquer imprevisto. Em todo caso, o crime não tem pessoa, tipo, local, ou hora certa para acontecer. Simplesmente acontece e, ocasionalmente, a polícia militar consegue pegar o meliante, ainda que isso não signifique que esse sujeito ficará preso.
Justamente num desses tantos plantões em que virei a noite acordado (lembrando que sou um funcionário também do expediente, portanto em jornada dupla), deparamos com um caso em que uma jovem de classe média-alta foi raptada e teve os seqüestradores detidos.
Sem contar a família inteira, a imprensa e mais meia dúzia de advogados, tinha a garota que estava com muitas manchas de sangue pelo corpo. Aquela mulher adentrou na sala improvisada por volta das 3 da manhã, onde prestou seu depoimento. Com o braço direito enfaixado, era notável que os bandidos também lhe removeram um pedaço da orelha esquerda. Cabe aqui destacar que isso tudo ainda parecia coisa de filme hollywoodiano e não uma cena comum, dessas que vejo todo dia.
A jovem contou que, há três dias, por volta das 19 horas, saiu de uma clínica de estética dirigindo seu Chrysler 300C, quando percebeu que estava sendo seguida por um veículo não identificado. Depois de alguns instantes, aquele outro veículo emparelhou ao lado do seu, surgindo, além dele, um motoqueiro pelo lado contrário. No relato, ela disse que eram seis homens, todos encapuzados e portando armas que nunca tinha visto nem nos filmes, dizendo ter sido amarrada, amordaçada e agredida com socos, tapas e chutes. Mencionou que um dos autores assumiu a direção do carro enquanto foi vendada e jogada no banco de trás, ficando com uma arma encostada na cabeça o tempo todo.
A moça contou que foi abusada sexualmente no cativeiro, esclarecendo sobre a forma desumana como foi tratada. Depois de algumas tentativas de negociação sem sucesso, explicou como os seqüestradores resolveram retirar parte da sua orelha e fazer um vídeo, enviando o material para a família que teria de pagar um resgate de meio milhão de reais.
Corajosamente, seu pai resolveu chamar a polícia e então os militares conseguiram invadir o local, resgatando a vítima com vida. Aquilo definitivamente não era algo típico e não deveria ter parado no plantão da nossa delegacia, mas naquele horário, não havia outro lugar disponível para a lavratura e o registro da prisão.
Depois de exaustivas sete horas ininterruptas de interrogatórios, declarações, depoimentos e muito papel assinado, finalmente os bandidos foram entregues no presídio local. E o plantão que deveria durar doze horas já ultrapassava das quatorze. Mas o foco desse texto deveria ser o seqüestro e não as condições insalubres e desumanas de trabalho, que sim, fazem parte da nossa rotina diariamente. Portanto, já que perdi o foco mesmo, registro também a minha indignação com o salário, o ambiente e com o sistema, que insiste em dificultar o máximo possível isso que o estado chama de segurança pública.
Enfim, mais um crime para o julgamento da justiça. Menos um dia de plantão a cumprir.
Claro que não poderia deixar de parabenizar a todos os profissionais que fizeram mais uma vez toda a diferença e cumpriram as leis, salvando a vítima, em meio a incontáveis desafios. Logramos êxito nessa complexa operação que poderia facilmente virar uma história de cinema. Por isso, digo que somos dignos de sermos mencionados como verdadeiros super-heróis.
E só pra constar, eu queria ser o professor Xavier.