Diariamente ouço pessoas, registro histórias, crio versões do que seria a “verdade” para quem presta o depoimento e assina aquilo que foi narrado. Acho que já mencionei sobre a postura dos meus clientes, mas não custa relembrar: tem aqueles que lêem todo o texto e corrigem coisas banais, os que fazem perguntas, outros elogiam o relato e questionam como é possível escrever tão rápido e de maneira tão resumida (?); tem também aqueles que sequer dão ao trabalho de conferir os próprios dados pessoais, enfim.
Até esse momento, nunca tinha parado pra pensar em como me portaria caso algum dia precisasse estar do outro lado, sentado na cadeira de quem fala, relatando uma história fosse registrada. Porém fui surpreendido por uma intimação judicial, que ordenava o meu comparecimento no fórum local, para ser ouvido sobre o registro de um dos tantos depoimentos que fui responsável. Nunca tinha acontecido algo parecido.
Achei inusitado e fiquei me perguntando o que a pessoa que escreve um depoimento pode falar sobre ele? Mesmo ressabiado, não tive outra alternativa senão tirar aquela tarde agendada por conta do Meritíssimo Juiz e me colocar a disposição da justiça.
Ao contrário de uma delegacia, onde a pessoa aguarda no máximo quinze minutos e ainda reclama, no tribunal foram exatamente três horas e quarenta e dois minutos, pra ser mais preciso. E isso sem direito a informação, reclamação... a qualquer lanche ou coisa do tipo.
Achei que nunca mais fosse ser chamado e quando fui, entrei numa sala em que estavam o juiz, o promotor, dois advogados, três presos, e pelo menos uns quatro agentes penitenciários. Ah, claro, havia também o pobre escrivão judicial que me pediu um documento para fazer a qualificação. Ninguém se apresentou diretamente. Tirei aquelas conclusões por conta própria. Todos pareciam demasiadamente cansados e, ao que tudo indicava, aquela audiência se estendia por pelo menos umas seis horas ininterruptas.
Depois da qualificação, o juiz deu a palavra ao que deduzi ser um dos advogados. Ele pegou uma folha que prontamente reconheci como sendo um de meus termos de depoimento e leu o texto quase gritando. Foi desnecessário, mas não pude reclamar.
Seguindo, me indagou se me recordava de ter escrito aquilo. Tudo bem que haviam dois ou três erros de português no texto e uma falha na digitação, porém fui obrigado a admitir a autoria.
Fui questionado se o declarante (ou depoente se preferir) estava acompanhado quando prestou aquelas informações. Confirmei que ele estava com seu advogado.
Tratava-se da confissão de um homicídio, onde o rapaz assumia e confirmava tudo, em todos os mais ricos detalhes. Por duas ou três vezes senti uma certa maldade nas perguntas que aquele graduado em direito (a quem me recuso a chamar de doutor), restringindo a respondê-lo: “Não me recordo a respeito...”
Ele poderia ser esperto e tentar me colocar em alguma armadilha, mas eu estava acostumado a lidar com aquilo o tempo todo, então não me senti intimidado. E afinal de contas, não disseram o motivo pelo qual fui intimado até hoje, se querem saber.
Depois disto, o juiz ditou o que deveria ser escrito. Uma via foi impressa. Eu li, achei coisas aproveitadas de outra testemunha na segunda folha. Corrigi também duas ou três frases que não expressavam o verdadeiro sentido do que havia narrado, o que também é importante. Finalmente depois de assinar o termo, fui dispensado, exausto.
Achei, na verdade supus, que fosse tudo muito diferente. Mas não é. Imperou a burocracia, a encenação, a falta de atenção aos fatos realmente relevantes para um julgamento, já que todos que tinham sido ouvidos na delegacia, foram re-intimados para confirmar suas declarações e outras balelas que no meu ponto de vista, só tornam a coisa mais morosa.
Fato é que, seja na delegacia ou na justiça, todos desconfiam da veracidade do que você fala; dos argumentos que apresenta. E tentam te fazer cair em contradição para descobrirem de quem é a culpa, ou alguma brecha de lhe botar contra a parede para conseguir as informações necessárias. No final das contas, quem mente, mesmo que por medo, é ou deveria ser culpado (na visão da lei).
Na verdade, aqui deixo uma dica. Quando você não tiver nada a ver com uma história, diga o mínimo possível. Não dê brechas nem respostas que possam te comprometer. Entretanto, se souber de alguma coisa relevante, não se omita. Pode ser pior depois se for descoberto que você sabia, mas mentiu. É preferível dizer a verdade e salientar que tem medo de retaliações, que teme por sua vida e outras coisas do tipo do que negar os fatos, as evidências. Existem também outras formas de fornecer informações sem ser por escrito, como informalmente aos investigadores. Só não crie, nem fantasie histórias. Já cansei de ver gente que dá uma versão e, depois de anos quando é chamada novamente, não consegue sustentar o que narrou.
Lembre-se da mais pura e sincera verdade: tudo que você disser, for devidamente registrado e assinado poderá ser usado principalmente a seu desfavor. Por isso não tente bancar o esperto. Como deu pra ver, até eu, que poderia estar isento de qualquer responsabilidade sobre o que os outros dizem, posso ter que dar satisfações a respeito.