sábado, 20 de agosto de 2011

Pego de surpresa pelo crime

Trabalhar como policial não é fácil. Na verdade, nunca foi. Isso porque, por mais simples que pareça, um crime envolve muitas pessoas, procedimentos, punições.
Inevitavelmente, é o tipo de serviço que te torna muito mais insensível, já que ver uma vítima chorar depois do trauma de um estupro, outra testemunha temer a perseguição por dar um depoimento revelador ou ainda, por assistir a mãe que chora ao saber que o filho irá para a cadeia; tudo isso, torna-se uma interminável rotina. Assim, depois de alguns anos, pouca coisa realmente me comove quando estou exercendo a profissão. É o mal necessário que nos ajuda a não ser afetado pelo desenrolar da maior parte das histórias que aqui compartilho.
Contudo, às vezes somos pegos de surpresa. E foi numa dessas que tomei conhecimento do assassinato do irmão de um amigo, justamente na cidade onde trabalhava.
Não estava de serviço no momento, porém a família, naturalmente desesperada, pediu a minha ajuda para tentar “agilizar” a liberação do corpo e, principalmente, descobrir a autoria do crime. Eles queriam entender o que iria acontecer justamente no momento em que eu também estava abalado.
Aí experimentei o outro lado, tentando usar das influências profissionais para tentar minimizar tamanha dor. Tive empatia, fui até o IML, conversei com quem pude e, depois de muitas e muitas tentativas, no final não consegui acelerar nada. Foi só mais um corpo, mais um caso atendido, como todos os demais que deram entrada naquele plantão. O próprio sistema tratou a situação como “mais uma”, da forma que deveria ser.
E me deparei com esse método, suas inúmeras falhas, desacertos, sua morosidade. Foi terrível saber que, ainda que quisesse, não tinha super-poderes ou qualquer vantagem, mesmo que fosse um policial, fui tratado sem nenhum privilégio. Mais aterrorizante ainda foi questionar meu amigo sobre as circunstâncias do crime e ouvir dezenas de perguntas sobre o procedimento ou o que poderia ser feito, tendo que investigar aquilo. Além de consolá-lo, precisava oferecer respostas, descobrir o assassino, pensar em coisas que geralmente não faço. Ao menos não com pessoas que conheço, que convivo. E essa foi só a primeira das estranhas experiências desse tipo.
Passado tudo, mais uma vez retorno à velha questão. O que torna um policial e os que exercem as leis diferentes dos demais? Quando eu seria um policial ou cidadão? Havia perdido essa divisão?
Novamente, me vi num lugar que não queria estar e questionei no mais profundo do meu íntimo, se tinha escolhido a carreira certa e também, se ainda havia tempo de mudar caso a conclusão fosse negativa. Mas a questão toda é muito mais complexa do que responder com um sim ou não.
Ah, como eu queria ser um super herói, igual ao dos quadrinhos, e no final, dizer que salvei o dia. Mas não... Sou mais um refém desse sistema caótico, hipócrita e que está completamente falido. Nós questionamos, mas não agimos. Acatamos o injusto, não manifestamos, e tudo permanece do mesmo jeito. E isso vale tanto pra quem executa quanto é executado pelas leis.
Essa é a minha forma de gritar, e pedir socorro a sociedade para acordar desse sono, da apatia. Lembre-se que tudo isso é nossa culpa. E de mais ninguém.
Mas ainda sim, registro que eu queria que tudo fosse diferente, muito diferente.