domingo, 27 de dezembro de 2015

Dire(i)to ao ponto

Dia desses aconteceu uma situação engraçada lá na Delegacia. Um vendedor ambulante, que sempre leva salgados e sanduíches naturais, estava na porta vendendo seus quitutes quando a proprietária da lanchonete em frente veio bater na nossa porta, insatisfeita, dizendo que aquilo era um absurdo e exigia que a polícia fizesse alguma coisa para proibir as vendas daquele rapaz porque ela pagava um aluguel caro, tinha muitas despesas e ele estaria "roubando" dela os clientes e seu direito ao ponto.

Foi eu quem a recebeu de pronto e expliquei: minha senhora, não existe nenhuma irregularidade no serviço dele porque se trata de um ambulante. Não há lei no nosso município, nem estado muito menos país que o impeça de realizar suas vendas, o máximo que a senhora pode fazer é acionar a vigilância sanitária. Para que fui dizer aquilo, ela virou uma onça, indignada com o sistema, afoita por se dizer trabalhadora mais honesta que o "salgadeiro", repetindo incisivamente que ele estava roubando os clientes que na verdade deveriam ser dela.

Aí foi quando apelei: Olha, a senhora não deve conhecer um termo chamado livre concorrência... Minha senhora, o conceito que está tentando esclarecer deve ser monopólio, cartel, truste ou qualquer outra coisa do gênero, mas infelizmente não existe essa exclusividade nem do ponto ou do gênero quando se trata da venda de produtos alimentícios. E mentalmente completei: inclusive, se a senhora soubesse como o seu salgado é ruim e caro, estaria pegando umas aulas com esse ambulante para tentar fazer um produto mais atrativo, lutando pelos seus próprios clientes, o que infelizmente também não acontece.

Foi aí que percebi um caso clássico de "brasileirismo", aquela doença que assola nosso povo, fazendo com que qualquer cidadão se ache no direito de ter mais direitos que os outros pelo simples fato de ter ou fazer alguma coisa (no caso ter um comércio formal de salgados) que gere nele a sensação da vantagem ou o favorecimento próprio é líquido e certo. E depois dessa ainda querem me convencer  de que só os políticos é que são espertos, corruptos, e ladrões nesse país, não é mesmo? Ora bolas.

Mesmo sendo contrário aquela atitude, não acho que a indignação e revolta da vendedora esteja completamente sem fundamento, pois é claro que qualquer um que tenha um comércio formal pode, em algum momento, se sentir sem condições de competir com alguém que atua na informalidade. É o mesmo caso das companhias telefônicas que estão em guerra com o Whatsapp e Facebook e dos taxistas com aqueles que fazem uso do Uber. A questão é que todos esses setores não aprenderam a lidar com a concorrência, a nossa cultura julga como certo que o consumidor não deve ter outras opções, já que aquilo oferecido já é suficientemente excelente (#sóquenãomeeeeeesmo) e que nada pode atrapalhar os lucros de quem honestamente já explora determinado segmento.

Por outro lado, sou obrigado a apoiar o cara que vai, bravamente em uma bicicleta, buzinando e anunciando seus muito bem feitos salgados, oferecendo um produto de qualidade e com preço justo, faça sol, faça chuva. Assim como também apóio o whatsapp, o facebook e o uber que surgem como alternativas para forçar seus respectivos concorrentes a repensar na lógica do um negócio, seja ele qual for.

Estamos acostumados com a mediocridade em tudo, inclusive na política, saúde, educação e na própria polícia. Todavia eu, como cidadão (antes de ser policial), não consigo me acostumar a comer salgado requentado, gordurento e caro todo dia. Da mesma forma bato palmas para quem luta e cria alternativas melhores e mais competitivas. Enquanto pessoas como essa senhora continuarem a alimentar esse tipo de pensamento, vai ser difícil ter um país melhor, honesto e mais justo. Portanto, comecemos devagar, pensando melhor no lanche nosso de cada dia.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

As Pequenas “regalias” de Polícia

Ser policial, na maior parte do tempo, não é nem bom nem fácil. Mesmo que você ache que tenha vocação, já relatei que a profissão demanda muito empenho, dedicação exclusiva, abdicação a muitas coisas e pode lhe deixar a beira da loucura. Mesmo assim, sou obrigado a reconhecer que, numa boa parte do tempo, existem momentos com histórias e situações divertidas, únicas, como tentei ilustrar ao longo dos meus textos.
Além disso, tem aquela questão que boa parte da sociedade considera como uma “regalia”.
O fato dessa classe ter o franco acesso a locais sob fiscalização policial e ao mesmo deve ser dado todo apoio e auxílio necessários ao desempenho de suas funções, incluindo nisso a autorização do porte de armas. Entenda como: ele pode freqüentar baladas, shows, raves e cinemas, sem pagar absolutamente NADA.
Muitos amigos brincam, pedindo a minha carteira emprestada, já que com ela posso, em tese, participar de qualquer desses eventos. Pra mim, é uma questão muito mais de status do que de benefício próprio. Não vou negar que já usei desse artefato para desfrutar de algum momento de laser gratuito.
Contudo, conheço policiais que usam e abusam (muito) desse poder. Já testemunhei colegas chamarem apoio policial de viaturas por serem impedidos de ir num show (o qual eu paguei ingresso como qualquer pessoa normal), querendo ainda colocar pra dentro a esposa e os filhos, sem o menor intuito de realizar qualquer tipo de fiscalização ou serviço senão o da diversão em família. Outro caso foi de um amigo que contou ter ido ao cinema de graça e ainda usado o ticket para abonar o estacionamento do shopping, enquanto tantos outros pagam normalmente por esses dois serviços.
A verdade é que nenhum policial jamais irá admitir que fez uso da famosa “carteirada” para desfrutar dessas regalias. Entretanto, posso afirmar categoricamente que nunca vi ninguém contar que entrou nesses locais em serviço ou que queria (e conseguiu) prender algum bandido/traficante, ainda que seja essa a prerrogativa da lei.
Entendo e concordo que nossos salários não são justos e na maioria dos casos não sobra dinheiro nem mesmo pra diversão. Mas também considero humilhante e vexatório o fato de usar disso para benefício próprio.
Todavia, a minha intenção com esse texto não é de julgar ninguém nem suas atitudes e sim, de agradecer os estabelecimentos públicos como boates, cinemas e demais que franqueiam gratuitamente nosso acesso, mesmo sabendo que não estamos a serviço e que vamos beber, extravasar ou simplesmente nos divertir quando mostramos a carteira. A vocês, obrigado pela cortesia e compreensão.
Sou grato por fazerem vista grossa e reconhecerem que defendemos a sociedade e que nossa profissão não é fácil... E que também somos humanos, temos momentos de descontração.
Por fim, só espero que fique bem claro. Não posso mudar a lei e oferecer esse tipo de benefício também para médicos, professores, motoristas e tantas outras classes que são dignamente trabalhadoras.
Mesmo reconhecendo o impacto desse benefício, ainda sim, acredito que policial não é melhor do que ninguém.
Tem tanta coisa muito mais grave acontecendo em Brasília e por debaixo dos panos, nas favelas e na vida pra gente se preocupar, não é mesmo?

Aquele episódio do seqüestro relâmpago

Trabalhar numa delegacia de polícia significa lidar com todo tipo de crime.
Ao menos que esteja lotado numa especializada, deve estar sempre preparado para qualquer imprevisto. Em todo caso, o crime não tem pessoa, tipo, local, ou hora certa para acontecer. Simplesmente acontece e, ocasionalmente, a polícia militar consegue pegar o meliante, ainda que isso não signifique que esse sujeito ficará preso.
Justamente num desses tantos plantões em que virei a noite acordado (lembrando que sou um funcionário também do expediente, portanto em jornada dupla), deparamos com um caso em que uma jovem de classe média-alta foi raptada e teve os seqüestradores detidos.
Sem contar a família inteira, a imprensa e mais meia dúzia de advogados, tinha a garota que estava com muitas manchas de sangue pelo corpo. Aquela mulher adentrou na sala improvisada por volta das 3 da manhã, onde prestou seu depoimento. Com o braço direito enfaixado, era notável que os bandidos também lhe removeram um pedaço da orelha esquerda. Cabe aqui destacar que isso tudo ainda parecia coisa de filme hollywoodiano e não uma cena comum, dessas que vejo todo dia.
A jovem contou que, há três dias, por volta das 19 horas, saiu de uma clínica de estética dirigindo seu Chrysler 300C, quando percebeu que estava sendo seguida por um veículo não identificado. Depois de alguns instantes, aquele outro veículo emparelhou ao lado do seu, surgindo, além dele, um motoqueiro pelo lado contrário. No relato, ela disse que eram seis homens, todos encapuzados e portando armas que nunca tinha visto nem nos filmes, dizendo ter sido amarrada, amordaçada e agredida com socos, tapas e chutes. Mencionou que um dos autores assumiu a direção do carro enquanto foi vendada e jogada no banco de trás, ficando com uma arma encostada na cabeça o tempo todo.
A moça contou que foi abusada sexualmente no cativeiro, esclarecendo sobre a forma desumana como foi tratada. Depois de algumas tentativas de negociação sem sucesso, explicou como os seqüestradores resolveram retirar parte da sua orelha e fazer um vídeo, enviando o material para a família que teria de pagar um resgate de meio milhão de reais.
Corajosamente, seu pai resolveu chamar a polícia e então os militares conseguiram invadir o local, resgatando a vítima com vida. Aquilo definitivamente não era algo típico e não deveria ter parado no plantão da nossa delegacia, mas naquele horário, não havia outro lugar disponível para a lavratura e o registro da prisão.
Depois de exaustivas sete horas ininterruptas de interrogatórios, declarações, depoimentos e muito papel assinado, finalmente os bandidos foram entregues no presídio local. E o plantão que deveria durar doze horas já ultrapassava das quatorze. Mas o foco desse texto deveria ser o seqüestro e não as condições insalubres e desumanas de trabalho, que sim, fazem parte da nossa rotina diariamente. Portanto, já que perdi o foco mesmo, registro também a minha indignação com o salário, o ambiente e com o sistema, que insiste em dificultar o máximo possível isso que o estado chama de segurança pública.
Enfim, mais um crime para o julgamento da justiça. Menos um dia de plantão a cumprir.
Claro que não poderia deixar de parabenizar a todos os profissionais que fizeram mais uma vez toda a diferença e cumpriram as leis, salvando a vítima, em meio a incontáveis desafios. Logramos êxito nessa complexa operação que poderia facilmente virar uma história de cinema. Por isso, digo que somos dignos de sermos mencionados como verdadeiros super-heróis.
E só pra constar, eu queria ser o professor Xavier.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Transgressão contra Jesus

Assim como há milagres da fé, existem algumas proezas no crime. Quando você acha que já viu de tudo, sempre encontrará pessoas querendo te provar o contrário.
Numa abençoada segunda-feira, recebo aquela ocorrência registrada no dia anterior, ficando intrigado. O campo da tipificação do crime estava descrito com mais ou menos o seguinte: “Assalto a INgreja do Arrebatamento do Senhor Jesus Cristo”.
Ignorando o grotesco erro no português, deparei-me com pelo menos vinte envolvidos arrolados nas páginas que formavam praticamente um mini-livro. Para minha alegria, segundo o digníssimo Delegado, seria necessário ouvir todos os envolvidos.
O histórico da polícia militar relatava assim: Equipe dessa companhia recebeu via COPOM a informação de que assaltantes teriam invadido um culto religioso e anunciado o assalto durante o recolhimento do dízimo. Testemunhas relataram que os bandidos portavam armas de grosso calibre, estando todos encapuzados. Foram levadas também jóias, bolsas e carteiras de pelo menos oito fiéis, conforme descrito nos campos próprios. Os autores não foram localizados. Registra-se para outras providências.
Organizando aquela bagunça de gente, comecei a ouvir um por um e depois do terceiro depoimento, já não tinha mais tanto zelo em reescrever a mesma história pelas outras tantas vezes. A maioria das pessoas foram enfáticas em dizer que tinha sido tudo uma provação de Deus, e que graças a ele, todos tiveram suas vidas salvas, glórias, aleluias e outras coisas também era ditas com muita frequência.
Por incrível que pareça, descobrimos que a quadrilha era composta por dez indivíduos, sendo que um deles era discípulo da própria igreja. Indícios apontavam que os criminosos eram especializados em crimes religiosos. E logo foi possível identificar outros casos muito parecidos.
A quadrilha teve sua prisão preventiva decretada, havendo assaltado outras quatro igrejas, furtando ainda imagens e quadros que foram vendidos no mercado negro. Do total, o montante dos "fiéis do crime" equivalia a estimados 300 mil reais. E teve bandido que tentou dizer que cumpria um chamado de Jesus... Avá! Eu prefiro considerar como um dos milagres operados pela polícia mesmo, que milagrosamente teve êxito em desarticular uma quadrilha.
Não sei se o crime pode ser considerado como apelação, mas com certeza nos leva para um outro level. Se Jesus pudesse depor, imagino o que ele iria dizer...
Cabe ainda questionar: Onde estão os limites do crime? O que mais bandidos podem "milagrosamente" cometer? Tomara mesmo que a moda não pegue!
Bandidos malditos, bandidos malditos... láláláláláaaaaaa.

sábado, 20 de agosto de 2011

Pego de surpresa pelo crime

Trabalhar como policial não é fácil. Na verdade, nunca foi. Isso porque, por mais simples que pareça, um crime envolve muitas pessoas, procedimentos, punições.
Inevitavelmente, é o tipo de serviço que te torna muito mais insensível, já que ver uma vítima chorar depois do trauma de um estupro, outra testemunha temer a perseguição por dar um depoimento revelador ou ainda, por assistir a mãe que chora ao saber que o filho irá para a cadeia; tudo isso, torna-se uma interminável rotina. Assim, depois de alguns anos, pouca coisa realmente me comove quando estou exercendo a profissão. É o mal necessário que nos ajuda a não ser afetado pelo desenrolar da maior parte das histórias que aqui compartilho.
Contudo, às vezes somos pegos de surpresa. E foi numa dessas que tomei conhecimento do assassinato do irmão de um amigo, justamente na cidade onde trabalhava.
Não estava de serviço no momento, porém a família, naturalmente desesperada, pediu a minha ajuda para tentar “agilizar” a liberação do corpo e, principalmente, descobrir a autoria do crime. Eles queriam entender o que iria acontecer justamente no momento em que eu também estava abalado.
Aí experimentei o outro lado, tentando usar das influências profissionais para tentar minimizar tamanha dor. Tive empatia, fui até o IML, conversei com quem pude e, depois de muitas e muitas tentativas, no final não consegui acelerar nada. Foi só mais um corpo, mais um caso atendido, como todos os demais que deram entrada naquele plantão. O próprio sistema tratou a situação como “mais uma”, da forma que deveria ser.
E me deparei com esse método, suas inúmeras falhas, desacertos, sua morosidade. Foi terrível saber que, ainda que quisesse, não tinha super-poderes ou qualquer vantagem, mesmo que fosse um policial, fui tratado sem nenhum privilégio. Mais aterrorizante ainda foi questionar meu amigo sobre as circunstâncias do crime e ouvir dezenas de perguntas sobre o procedimento ou o que poderia ser feito, tendo que investigar aquilo. Além de consolá-lo, precisava oferecer respostas, descobrir o assassino, pensar em coisas que geralmente não faço. Ao menos não com pessoas que conheço, que convivo. E essa foi só a primeira das estranhas experiências desse tipo.
Passado tudo, mais uma vez retorno à velha questão. O que torna um policial e os que exercem as leis diferentes dos demais? Quando eu seria um policial ou cidadão? Havia perdido essa divisão?
Novamente, me vi num lugar que não queria estar e questionei no mais profundo do meu íntimo, se tinha escolhido a carreira certa e também, se ainda havia tempo de mudar caso a conclusão fosse negativa. Mas a questão toda é muito mais complexa do que responder com um sim ou não.
Ah, como eu queria ser um super herói, igual ao dos quadrinhos, e no final, dizer que salvei o dia. Mas não... Sou mais um refém desse sistema caótico, hipócrita e que está completamente falido. Nós questionamos, mas não agimos. Acatamos o injusto, não manifestamos, e tudo permanece do mesmo jeito. E isso vale tanto pra quem executa quanto é executado pelas leis.
Essa é a minha forma de gritar, e pedir socorro a sociedade para acordar desse sono, da apatia. Lembre-se que tudo isso é nossa culpa. E de mais ninguém.
Mas ainda sim, registro que eu queria que tudo fosse diferente, muito diferente.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Tentativa de homicídio contra o Príncipe Fabiano de Carvalho


Eu não trabalho com roteiro de filmes, mas devia. Na verdade, sou escrivão de polícia e você já deve saber disso. Porém no meu trabalho, quase sempre lido com situações que poderiam facilmente parar nas telas de cinema.
No último final de semana, por exemplo, tentaram matar a queima roupa o Príncipe Fabiano Carvalho. Sim, o registro geral (RG) dele era escrito dessa maneira. E olha que o sujeito não era filho de reis, duquesas ou qualquer outro desses que tem ligação com a realeza. Na verdade ele era afro-descendente (pra não discriminá-lo, ok?), pobre e devia certa quantia a um dos chefes de uma famosa “boca”, portanto carregava o título de príncipe apenas no seu nome e mais em nenhum outro lugar.
A verdade é que ouço muitas celebridades e, às vezes, é difícil lidar com isso. Muita gente famosa já sentou e prestou depoimento pra mim.
Certa vez, Michael Jackson de Oliveira teve seu fusca azul furtado e teve que falar comigo.
Já conversei também com Jesus Cristo Júnior Prates, uma figura e tanto. Foi autor de um assalto a mão armada e já tinha cumprido pena anterior por latrocínio (homicídio seguido de morte). Incrível como o sujeito era detalhista e maquiavélico!
Outro dia teve também um garoto chamado Imel da Silva Arroba, que foi “SPAM”cado pelo pai, se é que você me entende, rsrs.
Já ouvi um Maradona, mas não me recordo seu sobrenome, quando certa vez ele foi violentado sexualmente e eu ainda trabalhava noutra delegacia. Ele era magro, boa pinta, mas não jogava futebol. Definitivamente não tinha nada a ver com aquele outro famoso argentino.
Se pudesse, queria ter ouvido a Amy Whinehouse. Ah, com certeza ela teria sido uma conduzida por embriaguez no volante ou por tráfico de drogas. Que Deus a tenha, coitada.
Só sei que me divirto.. Apesar da maioria do tempo estar atolado de serviço ou lidando com histórias caóticas e que deveriam me deixar triste, eu procuro dar muitas risadas.
Mais uma daquelas, que pretendo contar pros netos ou para os amigos, sabe?
Abraços aos queridos leitores.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Criatividade inovadora

O homem é um ser naturalmente criativo. Depois da invenção do fogo e da roda, criamos tantas soluções que, sério, fica até difícil ser impressionado nos dias de hoje. No entanto, um preso conseguiu mais essa façanha e me impressionou bastante.
Depois que vim pra essa cidade onde trabalho atualmente, com uma população carcerária bastante significativa, não é incomum encontrar droga em pasta de dente, biscoito “recheado”, escondida nos legumes, bolos e até mesmo em partes intimas, seja de homem ou de mulheres. O mesmo se aplica para telefones celulares, inclusive smartphones que acessam a internet e tudo mais. O brasileiro é naturalmente mais criativo, isso se comprova em inúmeras pesquisas.
Mas teve um preso que foi além. Ele não só conseguiu que um telefone entrasse no presídio como fez uso do aparelho por nada mais nada menos do que 3 meses! E olha que a segurança num presídio de segurança máxima é bem rígida... Pois bem, mas vamos a história.
Não foi a primeira vez que ele conseguiu fazer uso de um telefone celular. Já tinha sido conduzido outras vezes, só que em circunstâncias bem diferentes. O delegado pediu que indagasse a ele se alguém que trabalha no presídio havia ajudado, facilitado ou mesmo feito vista grossa sobre aquela situação e a resposta foi categórica: Não!
Quando pedi a ele que contasse como o telefone entrou na cadeia, o detento disse apenas que sua namorada tinha conseguido e não detalhou os meios. O importante era que ela havia conseguido.
Superada essa etapa, ao ler o relato da ocorrência interna, não precisei de muitos detalhes. Dizia o texto que o autor fazia uso do telefone e que o mantinha escondido no interior de seu ânus.
Sim, caro leitor, é isso mesmo que você leu. O telefone não ficava guardado no bolso, numa gaveta, debaixo do colchão ou em lugares desse tipo. Era devidamente ensacado e posto lá mesmo, naquele buraquinho minúsculo, até que houvesse necessidade de utilizá-los novamente. Veja bem, quando eu digo utilizá-los, me refiro tanto ao ânus quanto ao telefone, já que ambos tem funções bem diferentes. Havia junto do aparelho celular dois fios que podiam facilmente serem conectados em qualquer tomada e então recarregar a bateria. Tudo muito simples, funcional e perfeitamente criativo! E é claro que me deixou impressionado.
Não só com uma impressão, fiquei com nojo porque tinha um telefone exatamente igual aquele, que ficou por tanto tempo guardado dentro do preso.
Não teve jeito, fui obrigado a desfazer do meu aparelho portátil e adquirir um novo modelo. Então, posso dizer que ele conseguiu me deixar bastante impressionado depois daquela situação. E atingimos um novo level. Agora o diretor do presídio prometeu que irá monitorar os presos quando forem realizar suas necessidades fisiológicas. É o Brasil mais uma vez saindo na frente e provando que tem potencial para desenvolver soluções alternativas. Viva essa MERDA toda! Agora imagina se a moda pega?

quarta-feira, 30 de março de 2011

Depoimento de Depoimento

Diariamente ouço pessoas, registro histórias, crio versões do que seria a “verdade” para quem presta o depoimento e assina aquilo que foi narrado. Acho que já mencionei sobre a postura dos meus clientes, mas não custa relembrar: tem aqueles que lêem todo o texto e corrigem coisas banais, os que fazem perguntas, outros elogiam o relato e questionam como é possível escrever tão rápido e de maneira tão resumida (?); tem também aqueles que sequer dão ao trabalho de conferir os próprios dados pessoais, enfim.
Até esse momento, nunca tinha parado pra pensar em como me portaria caso algum dia precisasse estar do outro lado, sentado na cadeira de quem fala, relatando uma história fosse registrada. Porém fui surpreendido por uma intimação judicial, que ordenava o meu comparecimento no fórum local, para ser ouvido sobre o registro de um dos tantos depoimentos que fui responsável. Nunca tinha acontecido algo parecido.
Achei inusitado e fiquei me perguntando o que a pessoa que escreve um depoimento pode falar sobre ele? Mesmo ressabiado, não tive outra alternativa senão tirar aquela tarde agendada por conta do Meritíssimo Juiz e me colocar a disposição da justiça.
Ao contrário de uma delegacia, onde a pessoa aguarda no máximo quinze minutos e ainda reclama, no tribunal foram exatamente três horas e quarenta e dois minutos, pra ser mais preciso. E isso sem direito a informação, reclamação... a qualquer lanche ou coisa do tipo.
Achei que nunca mais fosse ser chamado e quando fui, entrei numa sala em que estavam o juiz, o promotor, dois advogados, três presos, e pelo menos uns quatro agentes penitenciários. Ah, claro, havia também o pobre escrivão judicial que me pediu um documento para fazer a qualificação. Ninguém se apresentou diretamente. Tirei aquelas conclusões por conta própria. Todos pareciam demasiadamente cansados e, ao que tudo indicava, aquela audiência se estendia por pelo menos umas seis horas ininterruptas.
Depois da qualificação, o juiz deu a palavra ao que deduzi ser um dos advogados. Ele pegou uma folha que prontamente reconheci como sendo um de meus termos de depoimento e leu o texto quase gritando. Foi desnecessário, mas não pude reclamar.
Seguindo, me indagou se me recordava de ter escrito aquilo. Tudo bem que haviam dois ou três erros de português no texto e uma falha na digitação, porém fui obrigado a admitir a autoria.
Fui questionado se o declarante (ou depoente se preferir) estava acompanhado quando prestou aquelas informações. Confirmei que ele estava com seu advogado.
Tratava-se da confissão de um homicídio, onde o rapaz assumia e confirmava tudo, em todos os mais ricos detalhes. Por duas ou três vezes senti uma certa maldade nas perguntas que aquele graduado em direito (a quem me recuso a chamar de doutor), restringindo a respondê-lo: “Não me recordo a respeito...”
Ele poderia ser esperto e tentar me colocar em alguma armadilha, mas eu estava acostumado a lidar com aquilo o tempo todo, então não me senti intimidado. E afinal de contas, não disseram o motivo pelo qual fui intimado até hoje, se querem saber.
Depois disto, o juiz ditou o que deveria ser escrito. Uma via foi impressa. Eu li, achei coisas aproveitadas de outra testemunha na segunda folha. Corrigi também duas ou três frases que não expressavam o verdadeiro sentido do que havia narrado, o que também é importante. Finalmente depois de assinar o termo, fui dispensado, exausto.
Achei, na verdade supus, que fosse tudo muito diferente. Mas não é. Imperou a burocracia, a encenação, a falta de atenção aos fatos realmente relevantes para um julgamento, já que todos que tinham sido ouvidos na delegacia, foram re-intimados para confirmar suas declarações e outras balelas que no meu ponto de vista, só tornam a coisa mais morosa.
Fato é que, seja na delegacia ou na justiça, todos desconfiam da veracidade do que você fala; dos argumentos que apresenta. E tentam te fazer cair em contradição para descobrirem de quem é a culpa, ou alguma brecha de lhe botar contra a parede para conseguir as informações necessárias. No final das contas, quem mente, mesmo que por medo, é ou deveria ser culpado (na visão da lei).
Na verdade, aqui deixo uma dica. Quando você não tiver nada a ver com uma história, diga o mínimo possível. Não dê brechas nem respostas que possam te comprometer. Entretanto, se souber de alguma coisa relevante, não se omita. Pode ser pior depois se for descoberto que você sabia, mas mentiu. É preferível dizer a verdade e salientar que tem medo de retaliações, que teme por sua vida e outras coisas do tipo do que negar os fatos, as evidências. Existem também outras formas de fornecer informações sem ser por escrito, como informalmente aos investigadores. Só não crie, nem fantasie histórias. Já cansei de ver gente que dá uma versão e, depois de anos quando é chamada novamente, não consegue sustentar o que narrou.
Lembre-se da mais pura e sincera verdade: tudo que você disser, for devidamente registrado e assinado poderá ser usado principalmente a seu desfavor. Por isso não tente bancar o esperto. Como deu pra ver, até eu, que poderia estar isento de qualquer responsabilidade sobre o que os outros dizem, posso ter que dar satisfações a respeito.