domingo, 27 de dezembro de 2015

Dire(i)to ao ponto

Dia desses aconteceu uma situação engraçada lá na Delegacia. Um vendedor ambulante, que sempre leva salgados e sanduíches naturais, estava na porta vendendo seus quitutes quando a proprietária da lanchonete em frente veio bater na nossa porta, insatisfeita, dizendo que aquilo era um absurdo e exigia que a polícia fizesse alguma coisa para proibir as vendas daquele rapaz porque ela pagava um aluguel caro, tinha muitas despesas e ele estaria "roubando" dela os clientes e seu direito ao ponto.

Foi eu quem a recebeu de pronto e expliquei: minha senhora, não existe nenhuma irregularidade no serviço dele porque se trata de um ambulante. Não há lei no nosso município, nem estado muito menos país que o impeça de realizar suas vendas, o máximo que a senhora pode fazer é acionar a vigilância sanitária. Para que fui dizer aquilo, ela virou uma onça, indignada com o sistema, afoita por se dizer trabalhadora mais honesta que o "salgadeiro", repetindo incisivamente que ele estava roubando os clientes que na verdade deveriam ser dela.

Aí foi quando apelei: Olha, a senhora não deve conhecer um termo chamado livre concorrência... Minha senhora, o conceito que está tentando esclarecer deve ser monopólio, cartel, truste ou qualquer outra coisa do gênero, mas infelizmente não existe essa exclusividade nem do ponto ou do gênero quando se trata da venda de produtos alimentícios. E mentalmente completei: inclusive, se a senhora soubesse como o seu salgado é ruim e caro, estaria pegando umas aulas com esse ambulante para tentar fazer um produto mais atrativo, lutando pelos seus próprios clientes, o que infelizmente também não acontece.

Foi aí que percebi um caso clássico de "brasileirismo", aquela doença que assola nosso povo, fazendo com que qualquer cidadão se ache no direito de ter mais direitos que os outros pelo simples fato de ter ou fazer alguma coisa (no caso ter um comércio formal de salgados) que gere nele a sensação da vantagem ou o favorecimento próprio é líquido e certo. E depois dessa ainda querem me convencer  de que só os políticos é que são espertos, corruptos, e ladrões nesse país, não é mesmo? Ora bolas.

Mesmo sendo contrário aquela atitude, não acho que a indignação e revolta da vendedora esteja completamente sem fundamento, pois é claro que qualquer um que tenha um comércio formal pode, em algum momento, se sentir sem condições de competir com alguém que atua na informalidade. É o mesmo caso das companhias telefônicas que estão em guerra com o Whatsapp e Facebook e dos taxistas com aqueles que fazem uso do Uber. A questão é que todos esses setores não aprenderam a lidar com a concorrência, a nossa cultura julga como certo que o consumidor não deve ter outras opções, já que aquilo oferecido já é suficientemente excelente (#sóquenãomeeeeeesmo) e que nada pode atrapalhar os lucros de quem honestamente já explora determinado segmento.

Por outro lado, sou obrigado a apoiar o cara que vai, bravamente em uma bicicleta, buzinando e anunciando seus muito bem feitos salgados, oferecendo um produto de qualidade e com preço justo, faça sol, faça chuva. Assim como também apóio o whatsapp, o facebook e o uber que surgem como alternativas para forçar seus respectivos concorrentes a repensar na lógica do um negócio, seja ele qual for.

Estamos acostumados com a mediocridade em tudo, inclusive na política, saúde, educação e na própria polícia. Todavia eu, como cidadão (antes de ser policial), não consigo me acostumar a comer salgado requentado, gordurento e caro todo dia. Da mesma forma bato palmas para quem luta e cria alternativas melhores e mais competitivas. Enquanto pessoas como essa senhora continuarem a alimentar esse tipo de pensamento, vai ser difícil ter um país melhor, honesto e mais justo. Portanto, comecemos devagar, pensando melhor no lanche nosso de cada dia.