Ser policial, na maior parte do tempo, não é nem bom nem fácil. Mesmo que você ache que tenha vocação, já relatei que a profissão demanda muito empenho, dedicação exclusiva, abdicação a muitas coisas e pode lhe deixar a beira da loucura. Mesmo assim, sou obrigado a reconhecer que, numa boa parte do tempo, existem momentos com histórias e situações divertidas, únicas, como tentei ilustrar ao longo dos meus textos.
Além disso, tem aquela questão que boa parte da sociedade considera como uma “regalia”.
O fato dessa classe ter o franco acesso a locais sob fiscalização policial e ao mesmo deve ser dado todo apoio e auxílio necessários ao desempenho de suas funções, incluindo nisso a autorização do porte de armas. Entenda como: ele pode freqüentar baladas, shows, raves e cinemas, sem pagar absolutamente NADA.
Muitos amigos brincam, pedindo a minha carteira emprestada, já que com ela posso, em tese, participar de qualquer desses eventos. Pra mim, é uma questão muito mais de status do que de benefício próprio. Não vou negar que já usei desse artefato para desfrutar de algum momento de laser gratuito.
Contudo, conheço policiais que usam e abusam (muito) desse poder. Já testemunhei colegas chamarem apoio policial de viaturas por serem impedidos de ir num show (o qual eu paguei ingresso como qualquer pessoa normal), querendo ainda colocar pra dentro a esposa e os filhos, sem o menor intuito de realizar qualquer tipo de fiscalização ou serviço senão o da diversão em família. Outro caso foi de um amigo que contou ter ido ao cinema de graça e ainda usado o ticket para abonar o estacionamento do shopping, enquanto tantos outros pagam normalmente por esses dois serviços.
A verdade é que nenhum policial jamais irá admitir que fez uso da famosa “carteirada” para desfrutar dessas regalias. Entretanto, posso afirmar categoricamente que nunca vi ninguém contar que entrou nesses locais em serviço ou que queria (e conseguiu) prender algum bandido/traficante, ainda que seja essa a prerrogativa da lei.
Entendo e concordo que nossos salários não são justos e na maioria dos casos não sobra dinheiro nem mesmo pra diversão. Mas também considero humilhante e vexatório o fato de usar disso para benefício próprio.
Todavia, a minha intenção com esse texto não é de julgar ninguém nem suas atitudes e sim, de agradecer os estabelecimentos públicos como boates, cinemas e demais que franqueiam gratuitamente nosso acesso, mesmo sabendo que não estamos a serviço e que vamos beber, extravasar ou simplesmente nos divertir quando mostramos a carteira. A vocês, obrigado pela cortesia e compreensão.
Sou grato por fazerem vista grossa e reconhecerem que defendemos a sociedade e que nossa profissão não é fácil... E que também somos humanos, temos momentos de descontração.
Por fim, só espero que fique bem claro. Não posso mudar a lei e oferecer esse tipo de benefício também para médicos, professores, motoristas e tantas outras classes que são dignamente trabalhadoras.
Mesmo reconhecendo o impacto desse benefício, ainda sim, acredito que policial não é melhor do que ninguém.
Tem tanta coisa muito mais grave acontecendo em Brasília e por debaixo dos panos, nas favelas e na vida pra gente se preocupar, não é mesmo?
Blog de um escritor sem compromisso, que narra contos, confusões e histórias de uma não tão pacata delegacia.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
As Pequenas “regalias” de Polícia
Aquele episódio do seqüestro relâmpago
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Transgressão contra Jesus
sábado, 20 de agosto de 2011
Pego de surpresa pelo crime
Trabalhar como policial não é fácil. Na verdade, nunca foi. Isso porque, por mais simples que pareça, um crime envolve muitas pessoas, procedimentos, punições.
Inevitavelmente, é o tipo de serviço que te torna muito mais insensível, já que ver uma vítima chorar depois do trauma de um estupro, outra testemunha temer a perseguição por dar um depoimento revelador ou ainda, por assistir a mãe que chora ao saber que o filho irá para a cadeia; tudo isso, torna-se uma interminável rotina. Assim, depois de alguns anos, pouca coisa realmente me comove quando estou exercendo a profissão. É o mal necessário que nos ajuda a não ser afetado pelo desenrolar da maior parte das histórias que aqui compartilho.
Contudo, às vezes somos pegos de surpresa. E foi numa dessas que tomei conhecimento do assassinato do irmão de um amigo, justamente na cidade onde trabalhava.
Não estava de serviço no momento, porém a família, naturalmente desesperada, pediu a minha ajuda para tentar “agilizar” a liberação do corpo e, principalmente, descobrir a autoria do crime. Eles queriam entender o que iria acontecer justamente no momento em que eu também estava abalado.
Aí experimentei o outro lado, tentando usar das influências profissionais para tentar minimizar tamanha dor. Tive empatia, fui até o IML, conversei com quem pude e, depois de muitas e muitas tentativas, no final não consegui acelerar nada. Foi só mais um corpo, mais um caso atendido, como todos os demais que deram entrada naquele plantão. O próprio sistema tratou a situação como “mais uma”, da forma que deveria ser.
E me deparei com esse método, suas inúmeras falhas, desacertos, sua morosidade. Foi terrível saber que, ainda que quisesse, não tinha super-poderes ou qualquer vantagem, mesmo que fosse um policial, fui tratado sem nenhum privilégio. Mais aterrorizante ainda foi questionar meu amigo sobre as circunstâncias do crime e ouvir dezenas de perguntas sobre o procedimento ou o que poderia ser feito, tendo que investigar aquilo. Além de consolá-lo, precisava oferecer respostas, descobrir o assassino, pensar em coisas que geralmente não faço. Ao menos não com pessoas que conheço, que convivo. E essa foi só a primeira das estranhas experiências desse tipo.
Passado tudo, mais uma vez retorno à velha questão. O que torna um policial e os que exercem as leis diferentes dos demais? Quando eu seria um policial ou cidadão? Havia perdido essa divisão?
Novamente, me vi num lugar que não queria estar e questionei no mais profundo do meu íntimo, se tinha escolhido a carreira certa e também, se ainda havia tempo de mudar caso a conclusão fosse negativa. Mas a questão toda é muito mais complexa do que responder com um sim ou não.
Ah, como eu queria ser um super herói, igual ao dos quadrinhos, e no final, dizer que salvei o dia. Mas não... Sou mais um refém desse sistema caótico, hipócrita e que está completamente falido. Nós questionamos, mas não agimos. Acatamos o injusto, não manifestamos, e tudo permanece do mesmo jeito. E isso vale tanto pra quem executa quanto é executado pelas leis.
Essa é a minha forma de gritar, e pedir socorro a sociedade para acordar desse sono, da apatia. Lembre-se que tudo isso é nossa culpa. E de mais ninguém.
Mas ainda sim, registro que eu queria que tudo fosse diferente, muito diferente.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Tentativa de homicídio contra o Príncipe Fabiano de Carvalho
Eu não trabalho com roteiro de filmes, mas devia. Na verdade, sou escrivão de polícia e você já deve saber disso. Porém no meu trabalho, quase sempre lido com situações que poderiam facilmente parar nas telas de cinema.
No último final de semana, por exemplo, tentaram matar a queima roupa o Príncipe Fabiano Carvalho. Sim, o registro geral (RG) dele era escrito dessa maneira. E olha que o sujeito não era filho de reis, duquesas ou qualquer outro desses que tem ligação com a realeza. Na verdade ele era afro-descendente (pra não discriminá-lo, ok?), pobre e devia certa quantia a um dos chefes de uma famosa “boca”, portanto carregava o título de príncipe apenas no seu nome e mais em nenhum outro lugar.
A verdade é que ouço muitas celebridades e, às vezes, é difícil lidar com isso. Muita gente famosa já sentou e prestou depoimento pra mim.
Certa vez, Michael Jackson de Oliveira teve seu fusca azul furtado e teve que falar comigo.
Já conversei também com Jesus Cristo Júnior Prates, uma figura e tanto. Foi autor de um assalto a mão armada e já tinha cumprido pena anterior por latrocínio (homicídio seguido de morte). Incrível como o sujeito era detalhista e maquiavélico!
Outro dia teve também um garoto chamado Imel da Silva Arroba, que foi “SPAM”cado pelo pai, se é que você me entende, rsrs.
Já ouvi um Maradona, mas não me recordo seu sobrenome, quando certa vez ele foi violentado sexualmente e eu ainda trabalhava noutra delegacia. Ele era magro, boa pinta, mas não jogava futebol. Definitivamente não tinha nada a ver com aquele outro famoso argentino.
Se pudesse, queria ter ouvido a Amy Whinehouse. Ah, com certeza ela teria sido uma conduzida por embriaguez no volante ou por tráfico de drogas. Que Deus a tenha, coitada.
Só sei que me divirto.. Apesar da maioria do tempo estar atolado de serviço ou lidando com histórias caóticas e que deveriam me deixar triste, eu procuro dar muitas risadas.
Mais uma daquelas, que pretendo contar pros netos ou para os amigos, sabe?
Abraços aos queridos leitores.
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Criatividade inovadora
quarta-feira, 30 de março de 2011
Depoimento de Depoimento
domingo, 27 de março de 2011
Armas desaparecidas
Engraçado perceber como novos lugares podem proporcionar novas situações (inusitadas), principalmente quando se trata de desaparecimento dos materiais que não deveriam JAMAIS sumir. Não era comum na outra delegacia, mas no meu atual posto de trabalho, isso acontece com muita freqüência. É arma que some (e, às vezes, aparece), droga que tem quantidade alterada, objetos são restituídos sem os termos devidos, carros apreendidos que são depositados a bem do serviço público (e também servem para atender interesses próprios de alguns detetives e do próprio delegado) enfim, tudo dentro da mais pura normalidade.
Pois bem, essa semana aconteceu mais uma dessas situações, que já se tornaram um tanto quanto comuns (só que ainda conseguem me assustar).
Recebo uma notificação da juíza, com prazo de 48 horas, pra apresentar duas armas importadas que já deveriam ter sido entregues no fórum, mas não foram com o inquérito por estarem na perícia. Quem trabalha com isso sabe que é comum, principalmente em casos de flagrante, o inquérito ser remetido sem o material já que trabalhamos com prazos apertados e a perícia quase nunca consegue atender as requisições em tempo hábil. Daí começa a bagunça... Por quê? Por causa do excesso de procedimentos, registros e BURROcracias que tornam tudo complexo e descontrolado. Na maioria das vezes o laudo vem sem referência do procedimento que foi solicitado, extravia-se o ofício de entrega do material, dentre outros problemas.
Mas voltando ao caso das armas, tentando localizar as ditas cujas no meio de um armário onde quase tudo está inventariado, a escrivã “ad-hoc” (contratada da prefeitura) levanta a hipótese de ela mesma teria levado aqueles objetos junto com o laudo de eficiência e entregue ao fórum, mas que por um descuido, não foram relacionadas no procedimento. Ela insiste em dizer que tinha CERTEZA de que as armas foram entregues, só que não havia como provar aquilo. E quando falamos em provas (ou melhor, da falta delas), falamos de problemas.
Na polícia, tudo funciona assim: Tá escrito? registrou? Tem recibo? Senão, prepare-se! Começo a pensar na denúncia da juíza à corregedoria, na sindicância, nas punições...
Ligo no fórum e eles negam ter recebido as armas, apenas confirmam os laudos.
A colega de trabalho mantém, com convicção, que entregou sim e eu decido que iremos revirar até o depósito da justiça para encontrar os objetos desaparecidos, se for preciso. Só que antes disso, tenho a brilhante idéia de olhar novamente no armário da delegacia. Com menos de dez minutos, localizo as duas armas e fico em dúvida se me sinto aliviado ou se a sindicância será mantida, mas por outro motivo: tentativa de homicídio contra a funcionária “ad-hoc” que me fez quase enlouquecer.
Respiro fundo, ligo para o escrivão judicial e peço mil desculpas. Faço o ofício e levo pessoalmente o material. Aprendi que agora quem leva material no fórum sou apenas eu e mais ninguém! Teve ainda outras lições importantes, veja:
A primeira? Não acredite no que as pessoas falam, por mais impositivo que sejam. Você precisa ver (e conferir) as coisas com seus próprios olhos.
Segunda: saiba que todos os controles que são feitos e deveriam funcionar, não são suficientes. Você precisa ter uma boa não, uma excelente memória! Tome ginkgo biloba, faça exercícios para o cérebro, se vire!
Já contava um sábio amigo que trabalha na outra polícia, a militar: polícia só é polícia para bandido. Para a própria polícia, somos outros bandidos bem piores do que aqueles que cometem os crimes bárbaros e hediondos!
Ele me contou que, certa vez, uma bola de futebol atingiu a viatura que ele dirigia. Trincou o vidro. Foram quatro meses respondendo sindicância para explicar porque estava naquela rua, naquele horário, naquele dia e naquela posição e ainda porque não abordou o responsável por tal incidente. Ele ainda teve que pagar o concerto com dinheiro do próprio bolso e ficou suspenso por cinco dias! Tenta ser honesto, tenta não se corromper e veja o que acontece... Propina, corrupção ativa, suborno e outros, a corregedoria quase nunca apura, mas os pequenos erros, aqueles que acontecem até mesmo no serviço privado, esses não escapam nunca.
E depois ler tudo isso, responda para você mesmo: quem é mocinho e quem é bandido? Quem mesmo é polícia e quem é ladrão? Afinal de contas, quem está contra quem nessa bodega??