Blog de um escritor sem compromisso, que narra contos, confusões e histórias de uma não tão pacata delegacia.
quarta-feira, 30 de março de 2011
Depoimento de Depoimento
domingo, 27 de março de 2011
Armas desaparecidas
Engraçado perceber como novos lugares podem proporcionar novas situações (inusitadas), principalmente quando se trata de desaparecimento dos materiais que não deveriam JAMAIS sumir. Não era comum na outra delegacia, mas no meu atual posto de trabalho, isso acontece com muita freqüência. É arma que some (e, às vezes, aparece), droga que tem quantidade alterada, objetos são restituídos sem os termos devidos, carros apreendidos que são depositados a bem do serviço público (e também servem para atender interesses próprios de alguns detetives e do próprio delegado) enfim, tudo dentro da mais pura normalidade.
Pois bem, essa semana aconteceu mais uma dessas situações, que já se tornaram um tanto quanto comuns (só que ainda conseguem me assustar).
Recebo uma notificação da juíza, com prazo de 48 horas, pra apresentar duas armas importadas que já deveriam ter sido entregues no fórum, mas não foram com o inquérito por estarem na perícia. Quem trabalha com isso sabe que é comum, principalmente em casos de flagrante, o inquérito ser remetido sem o material já que trabalhamos com prazos apertados e a perícia quase nunca consegue atender as requisições em tempo hábil. Daí começa a bagunça... Por quê? Por causa do excesso de procedimentos, registros e BURROcracias que tornam tudo complexo e descontrolado. Na maioria das vezes o laudo vem sem referência do procedimento que foi solicitado, extravia-se o ofício de entrega do material, dentre outros problemas.
Mas voltando ao caso das armas, tentando localizar as ditas cujas no meio de um armário onde quase tudo está inventariado, a escrivã “ad-hoc” (contratada da prefeitura) levanta a hipótese de ela mesma teria levado aqueles objetos junto com o laudo de eficiência e entregue ao fórum, mas que por um descuido, não foram relacionadas no procedimento. Ela insiste em dizer que tinha CERTEZA de que as armas foram entregues, só que não havia como provar aquilo. E quando falamos em provas (ou melhor, da falta delas), falamos de problemas.
Na polícia, tudo funciona assim: Tá escrito? registrou? Tem recibo? Senão, prepare-se! Começo a pensar na denúncia da juíza à corregedoria, na sindicância, nas punições...
Ligo no fórum e eles negam ter recebido as armas, apenas confirmam os laudos.
A colega de trabalho mantém, com convicção, que entregou sim e eu decido que iremos revirar até o depósito da justiça para encontrar os objetos desaparecidos, se for preciso. Só que antes disso, tenho a brilhante idéia de olhar novamente no armário da delegacia. Com menos de dez minutos, localizo as duas armas e fico em dúvida se me sinto aliviado ou se a sindicância será mantida, mas por outro motivo: tentativa de homicídio contra a funcionária “ad-hoc” que me fez quase enlouquecer.
Respiro fundo, ligo para o escrivão judicial e peço mil desculpas. Faço o ofício e levo pessoalmente o material. Aprendi que agora quem leva material no fórum sou apenas eu e mais ninguém! Teve ainda outras lições importantes, veja:
A primeira? Não acredite no que as pessoas falam, por mais impositivo que sejam. Você precisa ver (e conferir) as coisas com seus próprios olhos.
Segunda: saiba que todos os controles que são feitos e deveriam funcionar, não são suficientes. Você precisa ter uma boa não, uma excelente memória! Tome ginkgo biloba, faça exercícios para o cérebro, se vire!
Já contava um sábio amigo que trabalha na outra polícia, a militar: polícia só é polícia para bandido. Para a própria polícia, somos outros bandidos bem piores do que aqueles que cometem os crimes bárbaros e hediondos!
Ele me contou que, certa vez, uma bola de futebol atingiu a viatura que ele dirigia. Trincou o vidro. Foram quatro meses respondendo sindicância para explicar porque estava naquela rua, naquele horário, naquele dia e naquela posição e ainda porque não abordou o responsável por tal incidente. Ele ainda teve que pagar o concerto com dinheiro do próprio bolso e ficou suspenso por cinco dias! Tenta ser honesto, tenta não se corromper e veja o que acontece... Propina, corrupção ativa, suborno e outros, a corregedoria quase nunca apura, mas os pequenos erros, aqueles que acontecem até mesmo no serviço privado, esses não escapam nunca.
E depois ler tudo isso, responda para você mesmo: quem é mocinho e quem é bandido? Quem mesmo é polícia e quem é ladrão? Afinal de contas, quem está contra quem nessa bodega??